O HOBBIT – UMA
JORNADA INESPERADA
David Arrais
Em Dezembro de 2001, Peter
Jackson entrava para a história do Cinema, ao levar um dos livros mais importantes da
história, O Senhor dos Anéis para as telas, tarefa considerada por muitos, impossível. Onze anos
e dezessete prêmios Oscars (pela trilogia completa) depois, ele nos leva de volta à
Terra-Média para contar os eventos que levaram àquela história.
Escrito e dirigido por Peter
Jackson (Fran Walsh, PhilippaBoyens e Guillermo Del Toro também participaram do roteiro),
O Hobbit, adaptação do livro homônimo escrito por J.R.R.Tolkien, conta a história de como
Bilbo Baggins (Martin Freeman/Ian Holm) entrou para a comitiva do Rei Anão Thorin
Escudo de Carvalho (Richard Armitage) e seus 12 anões, após conhecer Gandalf (Sir Ian
McKellen) e então partiu para uma aventura buscando derrotar o dragão Smaug, que havia tomado a
cidade histórica dos anões, Erebor.
Desde o início da projeção, fica
perceptível, pela mudança na cor dos letreiros das produtoras de azul para amarelo,
que o clima da obra será um tanto mais leve que da trilogia anterior. Em um prólogo narrado
por Bilbo, nos momentos imediatamente anteriores ao início de O Senhor dos Anéis, somos
levados a Erebor, reino de Thror, no período glorioso da era dos anões. Ele conta toda a história
daquela cidade, descreve com detalhes os talentos e o gosto por tesouros dos anões,
explicando também a origem da rusga entre os anões e os Elfos.
Depois de ser escolhido por
Gandalf para completar a comitiva, ele recebe a visita de todos os outros membros, os anões Balin,
Dwalin, Fili, Kili, Óin, Glóin, Bifur, Bofur, Bombur, Ori, Nori, Dori e o líder da expedição,
Thorin Escudo de Carvalho.
Todos os anões são apresentados
de forma natural. Aos poucos são introduzidos aqueles personagens, conhecendo
facilmente suas características, as relações internas de afinidade e laços familiares. Por
exemplo: ao contar a história de Thorin, é perceptível que Balin está na comitiva por sua
sabedoria e fidelidade, mais do que pela sua contribuição física.
Outro aspecto importante da
narrativa é o cuidado ao apresentar novos fatos. Nenhuma informação é jogada de
forma aleatória, na tentativa de não deixar pontas soltas. Esse cuidado é fundamental, pois,
trata-se da primeira parte de uma série de três filmes (apesar de ser apenas um livro,
ele foi dividido em três filmes), várias histórias paralelas são contadas, além de dezenas de
personagens que aparecem ao longo da trama. Dessa forma, alguns fatos e personagens
citados aqui, são apenas o preparativo para os próximos filmes, como as aranhas gigantes ou o
Necromante, ou mesmo mago Radagast, o Castanho (Sylvester
McCoy).
Existe também uma preocupação
maior em citar eventos importantes da mitologia da Terra-Média, como a fortaleza
de Dol Guldur, a aranha gigante Ungoliant, os altos elfos de Gondolin, e a explicação da
origem das armas encontradas na caverna dos Trolls.
Como não poderia deixar de ser, o
trio composto por Thorin, Bilbo e Gandalf é o mais marcante. As cenas entre eles são
sempre profundas, mas de formas diferentes. Thorin é um anão orgulhoso, quase arrogante,
forte, que impõe respeito pela sua presença intimidadora, mas ao mesmo tempo amargurado e
desconfiado. Bilbo é um hobbit tímido, que sempre procura agradar, mas que por
muitas vezes também mostra ter seu orgulho, na medida em que começa a compreender seu
papel e importância para a missão, e dentro da comitiva. E é interessante perceber a forma
como vão se estabelecendo as relações de cuidado, e até mesmo de carinho, dos anões com
ele.
Gandalf tem a mesma função que
tinha na Sociedade do Anel, como a voz da razão e conselheiro, mas também um
guerreiro valoroso. No entanto, é curioso descobrir como ele era antes daquela história. Aqui
ele ainda se mostra inseguro em alguns momentos, como quando fala com Galadriel (Cate
Blanchet), Saruman (Christopher Lee) ou mesmo Elrond (Hugo Weaving) e ainda demonstra alguns
momentos de ternura, ao brincar com os anões enquanto organiza a casa de Bilbo, ou ao
participar de apostas com eles.
Outro personagem de destaque é
Radagast, o Castanho. Apesar da aparência repugnante, com sua roupa
composta de peles ressecadas de animais, e um ninho de pássaro, repleto de excrementos na cabeça,
ele mostra ser um mago poderoso, conhecedor da fauna e flora da Terra-média. Seu visual
parece uma mistura de mendigo com hippie, além de seu jeito ligeiramente tresloucado de
falar, como se sempre quisesse dizer milhões de coisas ao mesmo tempo. Mas ele também consegue
soar ameaçador quando necessário, como no momento em que discute com Gandalf sobre a
presença do Necromante em Dol Guldur.
Tecnicamente o filme beira a
perfeição. A fotografia consegue criar as atmosferas com perfeição, variando das cores do
Condado à escuridão e o ouro das minas dos anões, passando pela atmosfera sombria de
dolGuldur e da floresta de Radagast, passando pela austeridade de Rivendell. Os planos abertos,
mostrando todas as paisagens deslumbrantes da Nova Zelândia são de tirar o fôlego.
Os jogos de câmera para mostrar a interação entre os anões (interpretados por atores de
estatura mediana) e Gandalf nos faz crer que realmente existe aquela diferença de porte físico.
A Direção de Arte é digna de
aplausos. Seja na Caverna dos Goblins, no interior de Erebor, às pilhas de tesouros do
Rei Thrain ou a reapresentação de Rivendell. A cabana de Radagast, feita de cascas de
troncos de árvores também chama a atenção. A preocupação com os detalhes é quase inacreditável,
indo desde a fivela da mochila de Bilbo às impressionantes armaduras dos anões, ou o design
das espadas, escudos e machados.
Os efeitos visuais são de cair o
queixo. Ainda que torne-se visível o uso do chroma key em alguns momentos, é impossível
não se impressionar com as milhares de criaturas em CG, como os Trolls, que aqui
aparecem mais “humanizados”, conversando com os anões, os Goblins, especialmente o seu
Rei, os wargs ou os coelhos de Radagast, além das cenas de batalha em Moria e em Erebor.
Também ficam visíveis as participações de Del Toro no desenvolvimento de algumas
criaturas, como o Orc Albino, o rei dos Goblins, ou o pequeno goblin em uma cesta em certo
momento, dentro da caverna.
Porém, o personagem momento mais
esperado do filme, atinge todas as expectativas com louvor. Gollum é, mais uma
vez, a criatura em CG mais perfeita do cinema. Andy Serkis consegue mais uma performance
“virtual” acima de qualquer crítica. Ele é mais ameaçador que em o Senhor dos Anéis, e o
conflito interno entre Gollum e Smeagol é ainda mais presente e assustador. As pequenas
nuances, como os olhos, sobrancelhas, inflexão da voz, pequenos movimentos rápidos são mais
marcantes que em muitos atores “reais”. O sofrimento daquela criatura é quase tangível e ainda
é perceptível a preocupação em mostrar as mudanças físicas, ainda que sutis, que se abateram
sobre ele até o Senhor dos Anéis. Sua pele é mais pálida e seu corpo mais musculoso, já que
ele tem mais facilidade de se alimentar em sua caverna.
O uso do 3D colabora bastante
para criar a profundidade visual, além de potencializar as emoções nas cenas de ação,
especialmente nas cenas de batalha, como na caverna dos Goblins, ou na luta entre os
Gigantes na montanha, mas não atinge o brilhantismo de outras obras, como A Invenção de Hugo Cabret ou Avatar.
A trilha sonora é simplesmente
impecável! Além de reaproveitar temas que já se tornaram clássicos, como dos
hobbits, do Um Anel, das águias, de Gollum e de Rivendell, Howard Shore ainda nos brinda com
um tema tão marcante quanto, a partir da canção dos anões, coroando o clima perfeito
criado por Peter Jackson.
Mesmo não tendo a mesma atmosfera
e escala de O Senhor dos Anéis, O Hobbit ainda é um filme espetacular.
Atuações marcantes, grandes efeitos visuais e um roteiro que se preocupou mais em respeitar o
material original. As alterações deram mais profundidade a alguns momentos e inseriram
personagens que ajudam a amarrar algumas pontas do livro.
Caso mantenha o mesmo nível nos
próximos dois filmes, será possível afirmar que se trata de um caso raro em que a adaptação
acabou melhor que o original.
E, para os leitores do blog, é
fácil perceber que tenho uma forte ligação emocional com a trilogia original da
Terra-Média. Então, revisitar o Condado, Rivendell (o sorriso de Bilbo ao ver a cidade dos elfos pela
primeira vez foi exatamente igual ao meu, ao ser levado de volta àquele lugar tão especial), e
demais paisagens da Terra-Média, além de personagens e seres tão marcantes, como Bilbo,
Gandalf, Frodo, Gollum, Elrond, Galadriel, as águias gigantes, trolls, anões, orcs, goblins e até mesmo
alguns hobbits, que mesmo sem terem seus nomes sequer citados, permanecem em nossa
memória, foi uma experiência emocionante e singular.