A ORIGEM DOS
GUARDIÕES (Rise of the Guardians)
David Arrais
Depois de “filmes”
como A Garota da Capa Vermelha, A Branca de Neve e o Caçador e A Fera, sempre que alguém fala em
reinvenção de personagens infantis ou de contos de fada, o medo de que ocorra
mais uma “Crepusculação” vem à tona em doses cavalares.
Felizmente, a
nova animação da Dreamworks, A Origem
dos Guardiões além de um divertidíssimo conto de fadas, nos leva também a
questionamentos maiores, como “Qual o nosso lugar no mundo”, sem nunca perder o
ritmo e o clima fantasioso.
Neste filme, primeiro
trabalho do diretor Peter Samsey para o cinema, os personagens das grandes
mitologias infantis, Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fada do Dente e Sandman
(entidade responsável pelos sonhos, sem equivalente ou relevância na cultura
brasileira) precisam da ajuda de um novo guardião, Jack Frost, para enfrentar o
Bicho Papão, que quer causar a descrença das crianças nesses seres, na época da
Páscoa.
A
caracterização dos Guardiões é muito criativa, fugindo do estereótipo que
existe no imaginário popular. Papai Noel é um homem forte, tatuado, quase
intimidador, que conta com a ajuda de Yetis e dos elfos na fábrica de
brinquedos. A Fada do Dente é uma workaholic,
sempre preocupada com o trabalho das fadinhas em seus depósitos. O Coelho da
Páscoa é um guerreiro musculoso, valente e sem papas na língua, responsável
pelo mundo encantado onde são feitos os ovos de páscoa. A sua falta de tato
também acaba por criar conflitos com quase todos os guardiões. Sandman tem
feições infantis, sendo composto da mesma areia que utiliza para construir os
sonhos.
Jack,
além de protagonista, também é o personagem mais interessante e complexo. Ele é
o responsável pelo inverno e se é feliz com isso, porém, não se sente completo.
Primeiro por não ser reconhecido pelas crianças como os demais, e também por
não entender suas motivações. Os motivos que o levaram a assumir aquela
posição, até se tornar um guardião.
Já
o Bicho Papão acaba por se tornar um vilão igualmente interessante, com
motivações intensas, palpáveis, familiares, o que gera uma identificação com o
público. Os seus confrontos com Jack são sempre intensos, tanto de forma física
como verbal, pois os dois dividem dramas pessoais semelhantes.
O
desenvolvimento da história segue sempre sem perder o ritmo, mesmo em momentos
com muitos diálogos, alternando o clima leve de fantasia com momentos tensos, mas
também com inserções cômicas, como a transformação do Coelho da Páscoa, o
trabalho nem sempre reconhecido de um dos Yetis, e os momentos em que o
Sandman, que não fala, perde a paciência por não receber a devida atenção, ou a
corrida pelos dentes, que culmina na divertidíssima briga pelo dente de Jamie.
Jamie,
inclusive, é o principal dos personagens humanos, que são sempre crianças, e
possui participação fundamental no terceiro ato, uma vez perpetuação da crença
infantil é fundamental para a existência dos Guardiões.
O
filme ainda conta com citações sutis de grandes filmes como Star Wars (o momento em que o trenó do
Papai Noel chega à terra da Fada do Dente é muito parecida com a chegada da
Millenium Falcon a Alderaan), O Senhor
dos Anéis, Hércules (a
fisionomia do bicho Papão é semelhante à de Hades) entre outros. A Direção de
Arte realiza um trabalho fantástico, com a construção dos mundos mágicos
liderados por cada guardião. Os efeitos 3D são grandiosos, não sendo usados
apenas para arremessar objetos no espectador, mas conferem a emoção e
profundidade necessária a cada cena. A trilha sonora de Alexandre Desplat é incrível, construindo um
tema marcante (como eu não via desde Os
Incríveis) que se repete sem ser monótono, variando de ritmo de acordo com
a emoção que é retratada em cada cena.
Infelizmente,
nem tudo são flores. O filme possui dois furos no roteiro, sendo que um deles
prejudica bastante o desfecho da trama, com o reaparecimento de um personagem
sem nenhuma explicação.
Mas,
apesar desses problemas, não nada que prejudique a mensagem que o filme quer
passar: A melhor maneira de sermos felizes é descobrirmos a nossa função no
mundo, e aprendermos a aceitá-la.
P.S.: Quem me conhece, sabe o que penso sobre dublagem, mas tenho que dar o braço a torcer. O trabalho de dublagem é simplesmente sensacional.
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