domingo, 27 de janeiro de 2013

DJANGO LIVRE



DJANGO LIVRE (Django Unchained)
David Arrais




Quentin Tarantino nunca escondeu ser fã dos Western Spaghetti de Sergio Leone, tentando sempre levar algo daquela atmosfera para seus próprios trabalhos, como ficou mais visível em Kill Bill. Logo, nada mais natural que ele dirigisse e escrevesse o seu próprio Western, mantendo, claro, todos aqueles elementos que o caracterizam: violência extrema, humor negro, politicamente incorreto nas alturas, diálogos memoráveis, vilões carismáticos e atuações marcantes.

Django Livre conta a história de um escravo chamado Django (Jamie Foxx) que é comprado e libertado pelo Dr. King Schultz (Christoph Waltz) um caçador de recompensas alemão que precisa de sua ajuda para encontrar três homens procurados pela justiça.

Depois da incrível cena em que Django é comprado, ele e Schultz continuam trabalhando juntos, construindo uma amizade forte, baseada na confiança mútua e na admiração que o mesmo sente pelo dentista, não só pela sua inteligência, mas também por conta da ojeriza que sente pela escravidão. Essa admiração mútua é perfeitamente exposta na tocante cena em que, depois de descobrir que a esposa de Django fala e tem até um nome alemão, Schultz explica a lenda de Brunhilde e decide ajudá-lo a encontrá-la.

A violência gráfica, exagerada e quase gratuita é sempre presente, com cabeças explodindo com tiros, pessoas sendo destroçadas por cachorros, fuzilamentos gratuitos e torturas psicológicas espalhadas por toda a projeção.

Um dos temas mais polêmicos retratados aqui é a escravidão, e os maus tratos que os negros sofriam nas mãos de seus senhores. Mutilações, chicotadas, humilhações.  As torturas e punições são capazes de fazer o mais frio espectador se contorcer de agonia na poltrona. É curioso ver, por exemplo, a reação das pessoas com Django montando em um cavalo (O que que esse crioulo tá fazendo nesse cavalo?) e ver que até hoje isso acontece, quando alguns veem com estranheza um negro dirigindo um carro ou usando roupas caras.

Com a chegada a fazenda de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), o filme muda um pouco de tom, ficando bem mais tenso do que no primeiro ato, quando eram mostradas apenas as buscas da dupla principal.

Uma das maiores marcas de Tarantino, seus diálogos ácidos e repletos de humor negro também estão sempre presentes, como na já citada cena em que ele “compra” Django, em todas as cenas em que Schultz explica porque matou algum procurado, nos confrontos verbais entre Schultz e Candie, ou deste com Stephen (Samuel L. Jackson) ou na maravilhosa cena em que há uma discussão de aspirantes a membros da Klu Klux Klan sobre sua indumentária, que chega a lembrar episódios do seriado Family Guy.

O clima de filmes setentistas se faz presente desde os créditos, longos, e o texto com fontes exageradas, além da trilha sonora obviamente inspirada (e adaptada) em, Ennio Morricone, além do excelente trabalho de fotografia e da participação de um dos maiores ícones do gênero, Franco Nero.

A direção de arte é brilhante, ao recriar as fazendas do século XIX do sul dos estados Unidos, as senzalas, e mesmo as pequenas cidades por onde a dupla de protagonistas passa, trabalhando em uníssono com o figurino que recria a época com perfeição, além de demonstrar bem a personalidade de cada personagem.

A direção de Tarantino é mais uma vez segura, conduzindo cenas de ação com a mesma qualidade com que constrói o clima de tensão crescente em seus longos diálogos. E ainda nos fornece uma elegante rima visual, quando, em momentos distintos, vemos uma explosão de sangue sobre uma flor branca. Ou quando o ponto de vista com que vemos Django depois de uma ação definidora do personagem.

As atuações variam entre corretas a espetaculares. Infelizmente, entre as corretas está a da mulher que move a trama, Brunhilde (Kerry Washington). Nem de perto ela transmite a força de personagens femininas marcantes na filmografia do diretor, como A Noiva ou Mia Wallace.

Jamie Foxx está convincente, ainda que sem o carisma de Brad Pitt ou John Travolta, como na cena em que houve a história da lenda de Brunhilde, demonstrando uma ansiedade quase infantil enquanto seu novo amigo lhe conta a história, ou no momento em que trava um duelo de olhares com Leonardo DiCaprio, num dos momentos mais tensos do longa.

No entanto, mais uma vez quem rouba a cena é Christoph Waltz. Suas inflexões de voz, seus maneirismos, o domínio do idioma e de suas nuances, todas essas características do Dr. Schultz são desfiladas na tela naturalmente, nos conquistando rapidamente desde seus primeiros minutos em cena.

Leonardo DiCaprio é uma grata surpresa. Não que seu talento ainda precise de alguma comprovação, mas por ser a primeira parceria dele com Tarantino. E ele “duela” em pé de igualdade com Waltz. Candie é um sujeito ligeiramente afeminado, de voz mansa e bons modos, o que serve para acentuar sua natureza ameaçadora quando este perde o controle.

E Samuel L. Jackson mostra todo o conforto possível em atuar mais uma vez com seu parceiro. Stephen é um escravo que acabou se tornando o braço direito de Candie em sua fazenda, sendo muitas vezes ele mesmo quem indica os castigos que os escravos da fazenda devem receber. Muitas vezes parecendo uma caricatura de um “preto velho”, sua relação com Candie se revela no momento mais tenso do filme, quando ele descobre os planos da dupla de caçadores de recompensa.

Ainda que não chegue ao nível de brilhantismo de Bastardos Inglórios ou Pulp Fiction, Django Livre é um trabalho espetacular, satisfação garantida.

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