A VIAGEM (Cloud Atlas)
David Arrais
Os
irmãos Wachowski ganharam sua merecida notoriedade depois de mudarem para
sempre as produções de ficção científica com a trilogia Matrix. Desde então, diversificaram bastante
suas produções, como V de Vingança e Speed Racer, voltando apenas agora ao gênero que os
consagrou com A Viagem, tendo sido roteirizado e dirigido por Lana e Andy Wachowski
e Tom Tykwer, a partir do livro de David Mitchell.
Começando
com um velho, com o rosto cheio de cicatrizes (Tom Hanks), contando uma
história, o filme rapidamente se divide em 6 subtramas, cada uma em uma época e
locais diferentes: no século XIX, 1936, 1973, 2144 e 2300, passando por EUA,
Inglaterra, Escócia, Coréia do Sul.
Conhecemos, no
meio do século XIX, Adam Ewing (Jim Sturgess), jovem advogado,
casado com Tilda (Doona Bae), filha de Haskel Moore (Hugo Weaving, parceiro de
longa data dos irmãos), que por sua vez é casado com Madame Horrox (Susan
Sarandon) e grande amigo do Reverendo Giles Horrox (Hugh Grant). No ano de
1936, somos apresentados a Robert Frobisher (Bem Whishaw), um jovem músico
homossexual, que tem um caso com Rufus Sixmith (James D’arcy) e sonha em
trabalhar com Vyvyan Ayrs (Jim Broadbent), velho músico, casado com Jocasta
Ayrs (Halle Berry) para compor a grande sinfonia Cloud Atlas. A medida que o
tempo vai avançando, vamos conhecendo novas situações e passando por todas as
épocas contempladas pelo história.
Extendendo a filosofia
de boteco e encheção de linguiça a níveis estratosféricos, acompanhamos
discussões complexas, como o tratamento às minorias (negros, homossexuais,
idosos) e mazelas sociais paralelamente a discussões transcendentais (com a
profundidade de um pires) sobre o sentido da vida e o papel de cada membro da
sociedade e momentos cômicos, que, apesar de realmente divertidos, nada
acrescentam à narrativa.
Algumas
questões levantadas pelo filme nunca ficam bem explicadas. Sim, houve uma
revolução, desencadeada por um abuso de um cliente a uma androide, mas nunca se
sabe como ela atingiu tal escala e como gerou os resultados que vemos no
futuro. A propósito, toda a sequência que envolve Jim Broadbent nos dias atuais
é completamente desnecessária a trama, exceto pelo fato de vermos Hugo Weaving
interpretando uma enfermeira grosseira e musculosa ou Tom Hanks como um
arrogante e violento escritor. Desse modo, a constante alternância das tramas acaba se tornando por demais confusa, prejudicando a sua compreensão.
Dito isto, é
necessário enaltecer o brilhante trabalho da equipe de maquiagem de A
Viagem. Em todas as subtramas, o elenco é o mesmo, ou seja, vemos Jim Sturgess
e Hugh Grant, atores britânicos, interpretando coreanos, ao mesmo tempo em que
temos Doona Bae, uma coreana, como uma aristocrata filha de um mercador de
escravos americano.
Logicamente, o esmero visual não funcionaria
não fossem ótimas atuações. Hugo Weaving se desdobra entre o demônio Old
Georgie e o assassino de aluguel nos anos 70, ainda mantendo sua inflexão de
voz marcante quando necessário, assim como Susan Sarandon, que vai de xamã do
século XXIV ao papel de jovem senhora no século XXI com a mesma desenvoltura.
Jim Sturgess mostra-se seguro em todos os seus momentos, e Jim Broadbent dá um
show a parte, abusando de seu talento cômico, porém mostrando que também pode
ser ameaçador quando preciso. Tom Hanks chega a ser caricato em vários momentos, mostrando que está se divertindo horrores com os truques visuais, mas
mostra porque é um dos melhores atores de Hollywood nos últimos 30 anos,
especialmente nas sequências no ano 2300. Mas a maior surpresa é Hugh Grant,
esbanjando um talento surpreendente (talvez por estar fora de uma comédia
romântica) em todos os seus personagens. Halle Berry não tem grandes momentos,
mas atua em pé de igualdade com todos os outros.
Tecnicamente, como de costume nas produções dos irmãos, o filme é
impecável, como efeitos visuais trabalhando alinhados com efeitos práticos e de
maquiagem, sem nunca chamarem mais atenção do que o necessário, o que é sempre
positivo. A fotografia mostra-se competente, conseguindo criar a atmosfera de
cada época com perfeição, assim como a direção de arte riquíssima em detalhes,
como nas lanchonetes sul-coreanas de 2144, as cabanas tribais de 2300 ou o
navio negreiro do século XIX.
Talvez se não
estivessem tão convencidos de sua grandiosidade e diminuíssem uns 40 minutos de
projeção, os Irmãos Wachowski tivessem conseguido realizar outra obra prima.
Infelizmente, fizeram um bom filme, mas enfadonho, confuso e pretensioso como a peça
musical que lhe empresta o título durante a estória, cujo autor afirmou ser, a
maior da história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário