LINCOLN
David Arrais
Escrito por Tony Kushner, a
partir do livro de Doris Kearn Goodwyn, Lincoln
faz um recorte minucioso na história do presidente durante a Guerra Civil, indo
do fim de seu primeiro mandato até o atentado que levou à sua morte, com um
enfoque em seus dramas familiares enquanto descreve o processo corrupto
necessário para a aprovação da lei de abolição da escravatura nos Estados
Unidos.
Com um início promissor,
mostrando alguns momentos terríveis da Guerra da Secessão, o filme logo passa
para uma atmosfera intimista, mostrando o protagonista (Daniel Day Lewis)
conversando com soldados negros que lutam pelo exército do Sul.
Desde essa primeira cena, com um
foco de luz “magicamente” focado sobre ele, é possível perceber o modo como
Lincoln será retratado. É visível a preocupação em retratá-lo quase como uma
entidade, sempre em planos que o valorizam, colocando-o em posição de
superioridade.
O filme tem grandes alternâncias
de ritmo. Por exemplo, o modo como é mostrado todo o processo de
“convencimento” dos congressistas do partido democrata é bem executado,
possuindo os melhores momentos da projeção, com muito dinamismo.
Já nos momentos em que retrata os
dramas familiares de Lincoln, o clima vira quase novelesco, em que vários
problemas antigos são repetidos à exaustão pela sua esposa Mary Todd (Sally
Field).
Infelizmente, aquele que deveria ser o clímax do filme é prejudicado
pelo simples fato de sabermos o resultado final daquele processo.
Daniel Day-Lewis no entrega mais
uma performance impecável. Lincoln aparece como uma figura austera, que impõe
respeito pela sua postura, mais que pelo seu avantajado porte físico. Os
pequenos detalhes, como modo de mexer as mãos enquanto fala, ou a forma que
manuseia os óculos, além de sua inflexão de voz, sempre mansa e calma,
enriquecem mais um personagem marcante de sua carreira.
Sally Field alterna entre o
dramalhão novelesco e uma atuação realmente marcante. Quando ela escapa dos
momentos “Helena de Manoel Carlos”, como no momento em que questiona Lincoln
por um fato marcante no passado, fica justificada sua indicação ao Oscar de
Atriz Coadjuvante.
David Strathairn interpreta William Seward, o
principal aliado de Lincoln, porém sem precisar exibir seu talento como em
outros momentos da carreira. Ao contrário de Tommy Lee Jones, que surge como um
personagem ambíguo, responsável pelos poucos momentos de tensão do longa. James
Spader (que volta aos cinemas depois de oito anos) surge como uma grata
surpresa, como o mensageiro responsável por conseguir as assinaturas
necessárias para que a lei seja aceita no congresso.
Completando o núcleo
principal, Joseph Gordon-Levitt é completamente desperdiçado, parecendo surgir
como uma assinatura do item “conflito com a figura paterna”, sempre presente na
carreira de Spielberg.
Algo que chama a atenção é a
semelhança entre o processo de convencimento dos democratas e eventos recentes na
história política brasileira, em que o presidente, e seus assessores, se
utilizam de meios espúrios para a aprovação de seus projetos.
Tecnicamente o filme tem vários pecados.
Apesar de uma boa fotografia, direção de arte bem executada numa perfeita recriação
de época e figurinos minuciosamente caprichados, a montagem é extremamente
deselegante, com cortes grosseiros, e sem ritmo, com um resultado final
beirando o enfadonho.
Infelizmente, esta última
produção de Steven Spielberg nem de longe faz jus à brilhante filmografia do
diretor. Baseando-se quase que completamente na atuação perfeita de Daniel
Day-Lewis, ele nos entrega uma obra menor, sem ritmo e que tenta mostrar o 16º
presidente americano como um homem superior a todos os outros, tanto no campo
político quanto no campo moral, mesmo quando suas atitudes muitas vezes mostram o
contrário.