segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O HOBBIT – UMA JORNADA INESPERADA


O HOBBIT – UMA JORNADA INESPERADA
David Arrais


     Em Dezembro de 2001, Peter Jackson entrava para a história do Cinema, ao levar um dos livros mais importantes da história, O Senhor dos Anéis para as telas, tarefa considerada por muitos, impossível. Onze anos e dezessete prêmios Oscars (pela trilogia completa) depois, ele nos leva de volta à Terra-Média para contar os eventos que levaram àquela história.

     Escrito e dirigido por Peter Jackson (Fran Walsh, PhilippaBoyens e Guillermo Del Toro também participaram do roteiro), O Hobbit, adaptação do livro homônimo escrito por J.R.R.Tolkien, conta a história de como Bilbo Baggins (Martin Freeman/Ian Holm) entrou para a comitiva do Rei Anão Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) e seus 12 anões, após conhecer Gandalf (Sir Ian McKellen) e então partiu para uma aventura buscando derrotar o dragão Smaug, que havia tomado a cidade histórica dos anões, Erebor.

     Desde o início da projeção, fica perceptível, pela mudança na cor dos letreiros das produtoras de azul para amarelo, que o clima da obra será um tanto mais leve que da trilogia anterior. Em um prólogo narrado por Bilbo, nos momentos imediatamente anteriores ao início de O Senhor dos Anéis, somos levados a Erebor, reino de Thror, no período glorioso da era dos anões. Ele conta toda a história daquela cidade, descreve com detalhes os talentos e o gosto por tesouros dos anões, explicando também a origem da rusga entre os anões e os Elfos.

     Depois de ser escolhido por Gandalf para completar a comitiva, ele recebe a visita de todos os outros membros, os anões Balin, Dwalin, Fili, Kili, Óin, Glóin, Bifur, Bofur, Bombur, Ori, Nori, Dori e o líder da expedição, Thorin Escudo de Carvalho.

     Todos os anões são apresentados de forma natural. Aos poucos são introduzidos aqueles personagens, conhecendo facilmente suas características, as relações internas de afinidade e laços familiares. Por exemplo: ao contar a história de Thorin, é perceptível que Balin está na comitiva por sua sabedoria e fidelidade, mais do que pela sua contribuição física.

     Outro aspecto importante da narrativa é o cuidado ao apresentar novos fatos. Nenhuma informação é jogada de forma aleatória, na tentativa de não deixar pontas soltas. Esse cuidado é fundamental, pois, trata-se da primeira parte de uma série de três filmes (apesar de ser apenas um livro, ele foi dividido em três filmes), várias histórias paralelas são contadas, além de dezenas de personagens que aparecem ao longo da trama. Dessa forma, alguns fatos e personagens citados aqui, são apenas o preparativo para os próximos filmes, como as aranhas gigantes ou o Necromante, ou mesmo mago Radagast, o Castanho (Sylvester
McCoy).

     Existe também uma preocupação maior em citar eventos importantes da mitologia da Terra-Média, como a fortaleza de Dol Guldur, a aranha gigante Ungoliant, os altos elfos de Gondolin, e a explicação da origem das armas encontradas na caverna dos Trolls.

     Como não poderia deixar de ser, o trio composto por Thorin, Bilbo e Gandalf é o mais marcante. As cenas entre eles são sempre profundas, mas de formas diferentes. Thorin é um anão orgulhoso, quase arrogante, forte, que impõe respeito pela sua presença intimidadora, mas ao mesmo tempo amargurado e desconfiado. Bilbo é um hobbit tímido, que sempre procura agradar, mas que por muitas vezes também mostra ter seu orgulho, na medida em que começa a compreender seu papel e importância para a missão, e dentro da comitiva. E é interessante perceber a forma como vão se estabelecendo as relações de cuidado, e até mesmo de carinho, dos anões com ele.

     Gandalf tem a mesma função que tinha na Sociedade do Anel, como a voz da razão e conselheiro, mas também um guerreiro valoroso. No entanto, é curioso descobrir como ele era antes daquela história. Aqui ele ainda se mostra inseguro em alguns momentos, como quando fala com Galadriel (Cate Blanchet), Saruman (Christopher Lee) ou mesmo Elrond (Hugo Weaving) e ainda demonstra alguns momentos de ternura, ao brincar com os anões enquanto organiza a casa de Bilbo, ou ao participar de apostas com eles.

     Outro personagem de destaque é Radagast, o Castanho. Apesar da aparência repugnante, com sua roupa composta de peles ressecadas de animais, e um ninho de pássaro, repleto de excrementos na cabeça, ele mostra ser um mago poderoso, conhecedor da fauna e flora da Terra-média. Seu visual parece uma mistura de mendigo com hippie, além de seu jeito ligeiramente tresloucado de falar, como se sempre quisesse dizer milhões de coisas ao mesmo tempo. Mas ele também consegue soar ameaçador quando necessário, como no momento em que discute com Gandalf sobre a presença do Necromante em Dol Guldur.

     Tecnicamente o filme beira a perfeição. A fotografia consegue criar as atmosferas com perfeição, variando das cores do Condado à escuridão e o ouro das minas dos anões, passando pela atmosfera sombria de dolGuldur e da floresta de Radagast, passando pela austeridade de Rivendell. Os planos abertos, mostrando todas as paisagens deslumbrantes da Nova Zelândia são de tirar o fôlego. Os jogos de câmera para mostrar a interação entre os anões (interpretados por atores de estatura mediana) e Gandalf nos faz crer que realmente existe aquela diferença de porte físico.

     A Direção de Arte é digna de aplausos. Seja na Caverna dos Goblins, no interior de Erebor, às pilhas de tesouros do Rei Thrain ou a reapresentação de Rivendell. A cabana de Radagast, feita de cascas de troncos de árvores também chama a atenção. A preocupação com os detalhes é quase inacreditável, indo desde a fivela da mochila de Bilbo às impressionantes armaduras dos anões, ou o design das espadas, escudos e machados.

     Os efeitos visuais são de cair o queixo. Ainda que torne-se visível o uso do chroma key em alguns momentos, é impossível não se impressionar com as milhares de criaturas em CG, como os Trolls, que aqui aparecem mais “humanizados”, conversando com os anões, os Goblins, especialmente o seu Rei, os wargs ou os coelhos de Radagast, além das cenas de batalha em Moria e em Erebor. Também ficam visíveis as participações de Del Toro no desenvolvimento de algumas criaturas, como o Orc Albino, o rei dos Goblins, ou o pequeno goblin em uma cesta em certo momento, dentro da caverna.

     Porém, o personagem momento mais esperado do filme, atinge todas as expectativas com louvor. Gollum é, mais uma vez, a criatura em CG mais perfeita do cinema. Andy Serkis consegue mais uma performance “virtual” acima de qualquer crítica. Ele é mais ameaçador que em o Senhor dos Anéis, e o conflito interno entre Gollum e Smeagol é ainda mais presente e assustador. As pequenas nuances, como os olhos, sobrancelhas, inflexão da voz, pequenos movimentos rápidos são mais marcantes que em muitos atores “reais”. O sofrimento daquela criatura é quase tangível e ainda é perceptível a preocupação em mostrar as mudanças físicas, ainda que sutis, que se abateram sobre ele até o Senhor dos Anéis. Sua pele é mais pálida e seu corpo mais musculoso, já que ele tem mais facilidade de se alimentar em sua caverna.

     O uso do 3D colabora bastante para criar a profundidade visual, além de potencializar as emoções nas cenas de ação, especialmente nas cenas de batalha, como na caverna dos Goblins, ou na luta entre os Gigantes na montanha, mas não atinge o brilhantismo de outras obras, como A Invenção de Hugo Cabret ou Avatar. 

     A trilha sonora é simplesmente impecável! Além de reaproveitar temas que já se tornaram clássicos, como dos hobbits, do Um Anel, das águias, de Gollum e de Rivendell, Howard Shore ainda nos brinda com um tema tão marcante quanto, a partir da canção dos anões, coroando o clima perfeito criado por Peter Jackson.

     Mesmo não tendo a mesma atmosfera e escala de O Senhor dos Anéis, O Hobbit ainda é um filme espetacular. Atuações marcantes, grandes efeitos visuais e um roteiro que se preocupou mais em respeitar o material original. As alterações deram mais profundidade a alguns momentos e inseriram personagens que ajudam a amarrar algumas pontas do livro.

     Caso mantenha o mesmo nível nos próximos dois filmes, será possível afirmar que se trata de um caso raro em que a adaptação acabou melhor que o original.

     E, para os leitores do blog, é fácil perceber que tenho uma forte ligação emocional com a trilogia original da Terra-Média. Então, revisitar o Condado, Rivendell (o sorriso de Bilbo ao ver a cidade dos elfos pela primeira vez foi exatamente igual ao meu, ao ser levado de volta àquele lugar tão especial), e demais paisagens da Terra-Média, além de personagens e seres tão marcantes, como Bilbo, Gandalf, Frodo, Gollum, Elrond, Galadriel, as águias gigantes, trolls, anões, orcs, goblins e até mesmo alguns hobbits, que mesmo sem terem seus nomes sequer citados, permanecem em nossa memória, foi uma experiência emocionante e singular.            

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A Origem dos Guardiões


A ORIGEM DOS GUARDIÕES (Rise of the Guardians)
David Arrais

Depois de “filmes” como A Garota da Capa Vermelha, A Branca de Neve e o Caçador e A Fera, sempre que alguém fala em reinvenção de personagens infantis ou de contos de fada, o medo de que ocorra mais uma “Crepusculação” vem à tona em doses cavalares.

Felizmente, a nova animação da Dreamworks, A Origem dos Guardiões além de um divertidíssimo conto de fadas, nos leva também a questionamentos maiores, como “Qual o nosso lugar no mundo”, sem nunca perder o ritmo e o clima fantasioso.

Neste filme, primeiro trabalho do diretor Peter Samsey para o cinema, os personagens das grandes mitologias infantis, Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fada do Dente e Sandman (entidade responsável pelos sonhos, sem equivalente ou relevância na cultura brasileira) precisam da ajuda de um novo guardião, Jack Frost, para enfrentar o Bicho Papão, que quer causar a descrença das crianças nesses seres, na época da Páscoa.

          A caracterização dos Guardiões é muito criativa, fugindo do estereótipo que existe no imaginário popular. Papai Noel é um homem forte, tatuado, quase intimidador, que conta com a ajuda de Yetis e dos elfos na fábrica de brinquedos. A Fada do Dente é uma workaholic, sempre preocupada com o trabalho das fadinhas em seus depósitos. O Coelho da Páscoa é um guerreiro musculoso, valente e sem papas na língua, responsável pelo mundo encantado onde são feitos os ovos de páscoa. A sua falta de tato também acaba por criar conflitos com quase todos os guardiões. Sandman tem feições infantis, sendo composto da mesma areia que utiliza para construir os sonhos.

      Jack, além de protagonista, também é o personagem mais interessante e complexo. Ele é o responsável pelo inverno e se é feliz com isso, porém, não se sente completo. Primeiro por não ser reconhecido pelas crianças como os demais, e também por não entender suas motivações. Os motivos que o levaram a assumir aquela posição, até se tornar um guardião.

         Já o Bicho Papão acaba por se tornar um vilão igualmente interessante, com motivações intensas, palpáveis, familiares, o que gera uma identificação com o público. Os seus confrontos com Jack são sempre intensos, tanto de forma física como verbal, pois os dois dividem dramas pessoais semelhantes.

      O desenvolvimento da história segue sempre sem perder o ritmo, mesmo em momentos com muitos diálogos, alternando o clima leve de fantasia com momentos tensos, mas também com inserções cômicas, como a transformação do Coelho da Páscoa, o trabalho nem sempre reconhecido de um dos Yetis, e os momentos em que o Sandman, que não fala, perde a paciência por não receber a devida atenção, ou a corrida pelos dentes, que culmina na divertidíssima briga pelo dente de Jamie.

     Jamie, inclusive, é o principal dos personagens humanos, que são sempre crianças, e possui participação fundamental no terceiro ato, uma vez perpetuação da crença infantil é fundamental para a existência dos Guardiões.

        O filme ainda conta com citações sutis de grandes filmes como Star Wars (o momento em que o trenó do Papai Noel chega à terra da Fada do Dente é muito parecida com a chegada da Millenium Falcon a Alderaan), O Senhor dos Anéis, Hércules (a fisionomia do bicho Papão é semelhante à de Hades) entre outros. A Direção de Arte realiza um trabalho fantástico, com a construção dos mundos mágicos liderados por cada guardião. Os efeitos 3D são grandiosos, não sendo usados apenas para arremessar objetos no espectador, mas conferem a emoção e profundidade necessária a cada cena. A trilha sonora de Alexandre Desplat é incrível, construindo um tema marcante (como eu não via desde Os Incríveis) que se repete sem ser monótono, variando de ritmo de acordo com a emoção que é retratada em cada cena.

Infelizmente, nem tudo são flores. O filme possui dois furos no roteiro, sendo que um deles prejudica bastante o desfecho da trama, com o reaparecimento de um personagem sem nenhuma explicação.

          Mas, apesar desses problemas, não nada que prejudique a mensagem que o filme quer passar: A melhor maneira de sermos felizes é descobrirmos a nossa função no mundo, e aprendermos a aceitá-la.  

P.S.: Quem me conhece, sabe o que penso sobre dublagem, mas tenho que dar o braço a torcer. O trabalho de dublagem é simplesmente sensacional.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Homem da Máfia

O HOMEM DA MÁFIA
David Arrais


O Homem da máfia conta a história de um acerto de contas entre criminosos. Depois que ladrões “amadores”, a mando de Johnny Amato, o Esquilo (Vincent Curatola) fazem um assalto a um jogo de cartas clandestino, as suspeitas caem sobre Markie Trattman (Ray Liotta), dono do lugar onde ocorriam os encontros, que já havia feito algo parecido no passado.  Diante disso, Dillon (Sam Shepard) manda um homem de confiança (Richard Jenkins) procurar por Jackie Cogan (Brad Pitt), um mercenário, especializado em resolver esse tipo de “problema”.

Escrito e dirigido por Andrew Dominik, o filme oscila entre bons e maus momentos, infelizmente se demorando mais nos maus. Apesar de ter uma estrutura coesa, o roteiro acaba por tornar-se enfadonho, sem ritmo, exagerando em diálogos longos, chegando a soar pretensioso em diversos momentos. E chega a ser curioso o fato de o mesmo roteiro ter excelentes confrontos baseados apenas em diálogos, extremamente tensos.

Outro ponto alto do roteiro é o modo como é mostrada a passagem do tempo é inteligente e orgânica, explicando desde o início como começou a crise econômica de 2008, com discursos reais do então senador Barack Obama e do presidente George W. Bush até a eleição do candidato democrata. Com isso, é sempre feito um contraponto com o impacto que aquele golpe teve na microeconomia da organização criminosa.

Tecnicamente, é uma obra muito bem realizada. A fotografia utiliza sempre cores neutras e sombrias, enaltecendo o clima tenso da vida daquelas pessoas. A trilha sonora também é competente, sendo utilizada em poucos momentos, sempre reforçando os pontos de tensão da trama.

Algumas cenas são visualmente espetaculares, como um dos atentados, que apesar do uso um pouco exagerado de câmera lenta, mostra-se bastante criativa, ou o espancamento de um dos personagens, assustadoramente realista.   

Todas as atuações são dignas de elogio. Desde Scoot McNairy e Ben Mendelsohn, que interpretam os jovens ladrões amadores, a Richard Jenkins que está seguro e competente (como sempre) como o Motorista que é o contato de Cogan. James Gandolfini poderia ser o ator de maior destaque do elenco, não fosse por um pequeno detalhe: Seu personagem, Mickey, que é bastante interessante, diga-se, é completamente desnecessário ao desenvolvimento do filme. Já Ray Liotta consegue entregar uma performance brilhante, ainda que seu personagem não tenha tanto destaque.

Infelizmente, outra grande decepção é Brad Pitt. Parecendo estar sempre no piloto automático, ele não convence como um mercenário frio e ameaçador, parecendo alheio ao que está acontecendo a sua volta. As únicas exceções são a sequência que envolve a última execução e acena final no bar.

E esta é a grande sensação ao fim de O Homem da Máfia. Decepção. Uma boa ideia, ótimos personagens, direção competente, mas de cenas isoladas, que, ao serem montadas, fizeram o filme parecer durar três vezes mais do que realmente dura. Ou deveria durar.